1. Introdução
Lisboa enfrenta problemas estruturais de mobilidade resultantes de decisões de planeamento desajustadas, de uma gestão semafórica tecnicamente ultrapassada e de um sistema de estacionamento residencial fragmentado ao ponto de se tornar injusto para quem vive na cidade. Ao contrário do que sucede noutras capitais europeias, Lisboa mantém soluções próprias sem base técnica sólida, o que gera complexidade, confusão e falta de eficiência.
Esta proposta apresenta duas reformas centrais que devem avançar em paralelo. A reorganização integral do estacionamento residente segundo macro-zonas amplas e coerentes. E a modernização efetiva da semaforização, com sincronização entre interseções e gestão adaptativa do tráfego. São medidas simples, testadas internacionalmente e cuja implementação produziria melhorias imediatas.
2. Diagnóstico da situação atual
2.1 Fragmentação das zonas EMEL
Lisboa está dividida em mais de uma centena de micro-zonas de estacionamento, muitas delas separadas por poucos metros. Esta fragmentação cria injustiças evidentes. Há residentes que não podem estacionar na rua imediatamente ao lado de casa sem pagar ou arriscar coima. Há fronteiras artificiais que não correspondem a bairros, freguesias ou eixos urbanos. E há uma perceção generalizada de que o sistema beneficia financeiramente a EMEL, impondo pagamentos desnecessários a quem circula dentro da sua própria área de residência.
2.2. Criar proporção entre lugares disponíveis e títulos emitidos
A cidade de Lisboa precisa de rever de forma estrutural toda a política de estacionamento para residentes. O modelo atual, assente na emissão praticamente ilimitada de dísticos dentro de cada zona, deixou de refletir a capacidade real do espaço público. A desproporção entre o número de títulos emitidos e o número efetivo de lugares disponíveis gera frustração permanente, uso ineficiente da via pública, congestionamento evitável e conflitos entre residentes. Esta situação viola o princípio básico de gestão do domínio público previsto no artigo 13.º da Lei n.º 75/2013, que impõe aos municípios a obrigação de assegurar a utilização eficaz e proporcional do espaço público.
A adequação do número de dísticos ao número realista de lugares disponíveis deve ser uma prioridade política. Não se trata de restringir arbitrariamente direitos, mas de alinhar o título de estacionamento com a capacidade física da cidade. Um dístico que não corresponde a um espaço potencialmente utilizável deixa de ser um instrumento de ordenamento e passa a ser apenas um mecanismo de cobrança sem utilidade prática. A emissão ilimitada de títulos descredibiliza o sistema e cria um ambiente de falsa expectativa, em que o residente paga por um direito que a cidade, materialmente, não consegue garantir.
Mesmo que Lisboa avance finalmente para um regime de equivalência entre capacidade e títulos emitidos, continuará ainda assim atrás de muitas capitais europeias. Cidades como Viena, Copenhaga, Berlim, Amesterdão ou Paris já se encontram numa fase mais avançada: não apenas limitaram rigorosamente o número de dísticos, como passaram para políticas ativas de redução do número total de lugares de estacionamento em superfície. Essa redução — associada à expansão do transporte público, à criação de corredores cicláveis e à pedonalização de núcleos centrais — é hoje entendida como essencial para cumprir metas ambientais e melhorar a qualidade de vida urbana.
Lisboa, ao contrário, continua presa num modelo híbrido que tenta responder à procura automóvel sem nunca enfrentar a questão central: o espaço público é finito. Sem uma política clara de limites, proporcionalidade e prioridades urbanas, a cidade manter-se-á num ciclo contínuo de saturação, ruído, congestionamento e ineficácia administrativa.
A revisão integral da política de estacionamento residente não é apenas uma opção técnica; tornou-se uma exigência de boa governação do território municipal, alinhada com as competências próprias das autarquias e com as tendências europeias de gestão do espaço urbano.
2.3 Semaforização desadequada
O sistema semafórico de Lisboa encontra-se tecnicamente desatualizado. Parte das interseções funciona ainda com controladores antigos, sem ligação centralizada e sem qualquer capacidade de adaptação dinâmica ao fluxo de tráfego. O resultado é o padrão conhecido de pára-arranca, mesmo em vias que deveriam permitir uma progressão contínua. O SIM.Lx, lançado para substituir o antigo Gertrude, continua incompleto. Persistem congestionamentos criados pelo próprio sistema e não pelo volume de veículos.
Ter em conta que o escoamento de tráfego rodoviário não pode ser feito à custa do tráfego de peões: A generalidade dos semáforos de Lisboa têm tempos para atravessamento de peões demasiado baixos (ver por exemplo estudo https://docs.google.com/spreadsheets/d/1jbUfA3IOCd4AqmIXgyaxsXqVfcvcT7tHZ4XGbcy66H4/edit?gid=0#gid=0) , e tempos de espera demasiado altos, que induzem os peões a atravessar com sinal vermelho, porque não têm paciência para esperar tanto. Também existe falta de passadeiras, e na grande maioria, as que existem e que são semaforizadas, o botão para abrir o verde para os peões não produz efeitos práticos.
2.4 Falta de alternativas realistas ao automóvel
A rede de transportes públicos de Lisboa continua insuficiente. A linha circular do metro representou um retrocesso, não uma expansão. O metro continua limitado ao concelho. A integração com CP e Fertagus é fraca. A rede de autocarros permanece irregular e incapaz de competir com alternativas privadas. Sem uma rede pública eficiente, muitos residentes não têm alternativa viável ao carro.
Há também que expandir a rede de faixas BUS (ver https://docs.google.com/document/d/15PwegV_vz_j9eWf2Jak-ll3INqP5EtEBBgTHRS-AXow/edit?tab=t.0) assim como a rede ciclável para aumentar as áreas de captação das estações de comboio, metro e barco, dado que não podemos todos ter uma à porta de casa e outra à porta do local onde queremos ir. Conjugar bicicleta/trotineta com transporte pesado (comboio/metro/barco) encurta de forma muito significativa o tempo de viagem, dado não ser necessário aguardar por um autocarro para ir até às estações e das estações até ao destino final.
3. Comparação com capitais europeias
Paris, Viena, Madrid, Barcelona, Copenhaga e Berlim organizam o estacionamento residencial segundo zonas amplas, coerentes e estáveis. O residente é tratado como residente, não como cliente de uma empresa municipal. Não existem micro-zonas artificiais. Na semaforização, estas cidades utilizam sistemas de controlo centralizado, sincronização por corredores inteiros, sensores de tráfego e gestão adaptativa em tempo real. Não há razão técnica para Lisboa continuar a ignorar estes modelos.
4. Proposta técnica
As dez macro-zonas propostas são as seguintes:
Avenidas Novas, Entrecampos, Saldanha, Picoas, Avenida de Roma e Avenida dos EUA.
Alvalade, correspondente à freguesia inteira.
Campo de Ourique e Amoreiras.
Benfica, com unificação integral da zona.
Lumiar e Telheiras.
Arroios, Penha de França e Estefânia.
Graça e São Vicente.
Alfama, Castelo e Baixa.
Príncipe Real, Bairro Alto, Cais do Sodré e Chiado.
Parque das Nações e Olivais Sul.
A criação das dez macro-zonas de estacionamento residente visa exclusivamente reorganizar a malha administrativa do sistema, eliminando fronteiras artificiais entre micro-zonas, reduzindo erros de estacionamento, facilitando a fiscalização e garantindo maior previsibilidade para os residentes. Esta reorganização não implica, por si só, a criação de um “passe livre” para estacionar em toda a macro-zona sem restrições adicionais.
Para garantir que o novo modelo não promove um aumento de viagens curtas de automóvel: por exemplo, deslocações internas de poucos quarteirões motivadas pela existência de estacionamento residente gratuito, clarifica-se que o dístico da macro-zona define apenas o título de elegibilidade do residente, não suprimindo regimes locais específicos nem transformando zonas de elevada pressão urbana em áreas de estacionamento irrestrito.
Assim, e nos termos das competências municipais previstas na Lei n.º 75/2013 e do Regulamento Geral de Estacionamento e Paragem da Câmara Municipal de Lisboa, mantêm-se plenamente válidas e aplicáveis as restrições locais que devem todas aumentar dentro de cada macro-zona, designadamente:
a) áreas de condicionamento especial com o aumento das zonas de estacionamento reservado a moradores;
b) arruamentos com limite temporal;
c) zonas de elevada rotação comercial (dinamizando o modelo de passes de estacionamento dados pelos comerciantes a baixo custo como já se ensaiou na Praça de Londres e Guerra Junqueiro);
d) perímetros pedonais melhorados e de circulação automóvel condicionada;
e) implementação de fiscalização de estacionamento através de CCTVs ligadas à Polícia Municipal e
e) aumentar as vias com prioridade de transporte público e promover carga e descarga com bicicletas de carga.
Estes regimes continuarão a vigorar mesmo quando integrados numa macro-zona, permitindo evitar comportamentos oportunistas e assegurar coerência entre a reorganização administrativa e os objetivos de mobilidade urbana sustentável.
Finalmente, determina-se que, dentro de cada macro-zona, núcleos de pressão reconhecidos: como Saldanha, Picoas, Entrecampos, Chiado, Cais do Sodré, áreas hospitalares ou plataformas de transporte, mantenham regimes operacionais específicos ajustados à procura, podendo incluir limite temporal de estacionamento ou tarifação neutra para residentes, garantindo que o sistema reorganizado não incentiva deslocações automóveis desnecessárias.
5. Benefícios esperados
Para os residentes, esta reforma reduz restrições injustificadas, elimina pagamentos repetidos, melhora a previsibilidade e diminui a sensação de penalização permanente. Para a cidade, diminui o tráfego gerado pela procura de estacionamento, reduz emissões e racionaliza a fiscalização. Para a governação, aumenta a transparência e a confiança dos cidadãos e diminui a perceção de que a EMEL opera com incentivos desalinhados com o interesse público.
No domínio do tráfego, a sincronização semafórica reduz de forma significativa o tempo perdido em arranques sucessivos, diminui o consumo de combustível, melhora o serviço da Carris e reduz congestionamentos causados pelo próprio sistema de sinalização.
6. Conclusão
O atual sistema de micro-zonas e a gestão semafórica de Lisboa não servem os residentes, não promovem mobilidade eficiente e não estão alinhados com as melhores práticas internacionais. A reorganização em macro-zonas e a modernização da semaforização constituem soluções simples, racionais e tecnicamente sólidas e representaria um passo decisivo para uma cidade mais organizada, mais previsível e mais justa para quem vive em Lisboa.