A análise consolidada dos dados registados entre 2023 e 2025 demonstra que Lisboa continua a apresentar uma distribuição territorial do Alojamento Local (AL) profundamente desequilibrada. Mesmo com algumas reduções no número total de estabelecimentos, o impacto do AL permanece determinante no mercado de habitação, especialmente nas freguesias históricas.
Além disso, quando se observa não apenas a quantidade de AL mas também a capacidade de utentes associada (segunda tabela), percebe-se que a pressão turística está a intensificar-se em zonas específicas, frequentemente em maior escala do que a variação no número de registos poderia sugerir.
1. A capacidade de utentes expõe tendências ainda mais agressivas do que o número de AL
A segunda tabela mostra que, de 2024 para 2025, há freguesias onde o aumento de “utentes possíveis” é muito superior ao aumento de estabelecimentos de AL. Isto significa que o AL não está apenas a crescer em quantidade; está a crescer em intensidade, com unidades maiores, mais lotadas ou com tipologias capazes de alojar mais pessoas.
Os casos mais evidentes são:
Parque das Nações: +1.082% em utentes; +153% em AL
Belém: +475% em utentes; +495% em AL
Olivais: +67% em utentes; +61% em AL
Lumiar: +21% em utentes; +28% em AL
Ajuda: +26% em utentes; +27% em AL
Alcântara: +34% em utentes; +34% em AL
Estes crescimentos, especialmente nos Olivais, Parque das Nações e Belém, confirmam que a pressão turística se desloca rapidamente para áreas que até há poucos anos tinham pouca ou nenhuma relevância turística.
2. Nas zonas históricas saturadas, o número de AL desce ligeiramente – mas a capacidade de utentes mantém-se elevada
Mesmo em freguesias onde os AL diminuem, como:
Arroios (–3% AL; –3% utentes)
Avenidas Novas (–1% AL; –2% utentes)
Estrela (–3% AL; –4% utentes)
Misericórdia (–3% AL; –2% utentes)
Santa Maria Maior (–2% AL; –3% utentes)
São Vicente (–2% AL; –2% utentes)
o rácio AL/fogos habitacionais permanece extremamente alto.
Estas freguesias já estão muito acima do limiar de contenção absoluta (10%) e os ligeiros recuos não alteram a estrutura do problema: há demasiados AL e demasiado pouca habitação permanente, como demonstram os rácios do primeiro ficheiro.
3. Crescimentos desproporcionados revelam novas zonas de risco
Os dados combinados dos dois ficheiros confirmam que algumas freguesias passam, em apenas um ano, de níveis residuais de AL para rácios que começam a interferir com o mercado habitacional.
O caso crítico: Parque das Nações
Utentes: +1.082%
AL: +153%
Isto significa que a tipologia dos AL registados aumentou de forma muito significativa em capacidade. A pressão turística nesta zona torna-se, pela primeira vez, estrutural.
Belém
Utentes: +475%
AL: +495%
A freguesia entra rapidamente no universo das zonas com pressão relevante. Não sendo tradicionalmente uma zona saturada, os dados apontam para transformação acelerada do uso habitacional.
Olivais
Utentes: +67%
AL: +61%
Torna-se uma das freguesias emergentes onde o AL começa a alterar o equilíbrio entre habitação e turismo.
4. O RMAL e os rácios de contenção: leitura dos dados à luz da lei
Nos termos do Regulamento Municipal do Alojamento Local (RMAL):
Há contenção absoluta quando o rácio AL/fogos permanentes ≥ 10%.
Há contenção relativa entre 5% e 10%.
Se Lisboa atingir uma média municipal de 10%, todo o concelho fica automaticamente em contenção absoluta.
Com os dados ao primeira tabela, confirmamos:
Freguesias em contenção absoluta (acima de 10%)
Santa Maria Maior (59,93%)
Misericórdia (39,71%)
Santo António (21,19%)
São Vicente (14,71%)
Arroios (10,75%)
Estrela (10,71%)
Estas zonas cumprem integralmente os critérios legais de saturação máxima.
Mesmo que os AL diminuam ligeiramente, o efeito acumulado mantém-nas num patamar de pressão habitacional extremo.
Freguesias em contenção relativa
Avenidas Novas
Campo de Ourique
Belém
Penha de França
Parque das Nações
Ajuda
Alcântara
Com crescimentos em vários destes territórios entre 2024 e 2025, é previsível que algumas transitem para contenção absoluta se nada for feito.
5. O peso das casas vagas: o “buraco negro” da habitação em Lisboa
As 44.360 casas vagas identificadas no ficheiro representam:
133.080 habitantes potenciais expulsos do concelho
um volume muito superior ao impacto direto do AL
um obstáculo estrutural à redução dos preços da habitação
Mesmo freguesias com poucos AL, como Benfica ou Lumiar, apresentam milhares de fogos devolutos que impedem qualquer estabilização do mercado.
Conclusão geral
A análise combinada das duas tabelas aponta para quatro conclusões claras:
O AL permanece estruturalmente excessivo nas freguesias históricas, que se mantêm muito acima dos limites legais.
A capacidade turística cresce mais depressa do que o número de AL, principalmente nas freguesias periféricas.
Lisboa aproxima-se rapidamente do limiar legal de contenção absoluta em toda a cidade, com uma média já em 8,62%.
A crise de habitação decorre tanto do AL como das 44 mil casas vagas, que constituem o maior “reservatório perdido” de habitação permanente.
A pertinência de reformar o RMAL, reforçar a fiscalização e promover programas de reconversão de fogos para arrendamento acessível é evidente nos próprios números: Lisboa tem demasiada oferta turística e demasiados fogos vazios para a dimensão da sua população residente