O Barómetro Anual de Perceção da Qualidade de Vida de Lisboa 2025 da Vizinhos em Lisboa, ainda em curso até outubro, tem recolhido dezenas de comentários que, em conjunto, traçam um retrato cru e inquietante da cidade. As opiniões são diversas, mas a maioria aponta para um profundo descontentamento com a forma como Lisboa é governada e mantida. Este mosaico de perceções é, ao mesmo tempo, um aviso claro para a Câmara Municipal de Lisboa e para as Juntas de Freguesia em ano de eleições autárquicas.
Muitos participantes denunciam a degradação das ruas e estradas: “As estradas da minha área de residência encontram-se há décadas num estado deplorável, apesar das promessas da presidente de Junta de Freguesia de que irão realizar-se obras de requalificação que só são tema de conversa em períodos pré-eleitorais.” Outros acrescentam que “as ruas estão cada vez mais sujas” e que “estão muitas vezes sujas e com mau cheiro. O barulho dos aviões e autocarros é ensurdecedor.” Também não faltam críticas à má gestão urbanística: “Na minha rua os condutores de três edifícios podem virar em direção ao Campo Grande e dos outros três têm de ir dar uma grande volta, porque meteram uma divisória em frente das garagens. Isto para não falar no resto que está mal.” Da mesma forma, há quem aponte para a necessidade de mais árvores: “Mais do que fazer mais, convinha fazer melhor. Um exemplo: mais árvores, em todos os locais possíveis. Repor árvores abatidas ou caídas. Acabar com relvados e plantas que necessitem água e plantar arbustos e árvores. Árvores = menos ruído, melhor ar, mais fresco, melhor bem-estar.” O sentimento de abandono também surge em relatos detalhados: “Se mesmo em tudo o que é visível a olho nu há falta de manutenção, atenção e cuidado, p.e: falta de recolha de lixo para a quantidade de habitantes + comércio de rua + turismo em massa existente; fachadas todas tagadas que demoram meses a ser lavadas; passadeiras que não são pintadas durante anos; pavimentos com crateras que fazem lembrar a lua; ruas que são lavadas apenas pela chuva e que sobretudo no verão têm um cheiro nauseabundo, e que juntamente com o lixo que se acumula em toda e qualquer esquina se torna habitat perfeito para ratazanas e baratas (…) e que mesmo tudo isto (e muito mais) a ser constantemente reportado na app “NaMinhaRuaLisboa” não parece haver qualquer esforço e interesse em resolver! Prefiro nem pensar na falta de manutenção, atenção e cuidado daquilo que não é tão visível em termos de outras infraestruturas e serviços.”
A limpeza urbana é talvez a queixa mais repetida e transversal. “Lisboa está uma cidade suja com baratas, ratos e outros insetos.” “Limpeza, segurança, mais espaços verdes, menos carros, mais espaço para VIVER — não apenas para crianças, cães e sem abrigos.” “Problemas graves: falta de higiene urbana e estacionamento selvagem.” “Muita falta de higiene na freguesia de Arroios e uma enorme falta de manutenção do espaço público.” Há até quem associe a degradação diretamente às mudanças de competências: “Foi notória a degradação da limpeza urbana quando a responsabilidade transitou para as JF.” A perceção é de deterioração: “A qualidade está cada vez pior, tenho que fechar janelas por causa do cheiro dos barcos de Santa Apolónia e o lixo está a acumular nas ruas para além das ruas estarem muito sujas.” Outro comentário resume: “A limpeza e a manutenção dos espaços verdes degradaram-se muito nos últimos 5 anos.” “A falta de limpeza é a pior coisa de Lisboa. A seguir os buracos e a gentrificação.” “Espaços verdes só quando chove.” “Sujidade, barulho, espaços verdes, comércios a diminuir.” Para muitos, este problema reflete-se em toda a vivência urbana: “Lisboa encontra-se no momento insustentável para viver. Trânsito, estacionamento, densidade populacional, falta de serviços que respondam em tempo útil e com qualidade, ruído a qualquer hora.”
Também os transportes, o trânsito e a mobilidade são alvo de grande frustração. “O lixo, o estacionamento abusivo e maus transportes públicos são os principais problemas da cidade.” “Devia haver mais transportes públicos à noite; para algumas zonas da cidade, não há transportes ou são muito lentos.” “Lisboa precisa de mais ciclovias e melhores ligações em toda a cidade. É bom poder andar de bicicleta, mas há muitas lacunas e os condutores na estrada podem ser incrivelmente hostis e colocar a vida em risco.” Contudo, nem todos concordam: “Na freguesia as ciclovias coincidem com a via dos automóveis, do meu ponto de vista é perigoso andar de bicicleta na freguesia.” A visão de caos é recorrente: “Penso que o trânsito na cidade poderá tornar-se mais caótico com o aumento de pessoas a trabalhar na cidade de Lisboa.” Para outros, a prioridade deve ser clara: “Transportes públicos (autocarros e metro a passar com mais regularidade; mais ciclovias, mais seguras e interligadas), mais espaços verdes e bairros com vida (não só para turistas, dinamizar a vida de bairro, com comércio variado, acesso a cultura, espaços comunitários...).” Em Benfica, o pedido é concreto: “Fazem falta ciclovias para que nos possamos deslocar em segurança. Também fazem falta estações GIRA.” Já outros desvalorizam a bicicleta: “Não me desloco de bicicleta. Quero uma cidade limpa, segura e de fácil mobilidade.” As críticas atingem até a qualidade da oferta: “As ciclovias não resolvem os problemas de mobilidade na cidade.” Em Santa Clara, os problemas acumulam-se: “A freguesia onde resido, Santa Clara, está muito mal servida de transportes, os espaços verdes fora do centro da freguesia por vezes estão cheios de ervas por cortar. O lixo nos caixotes abunda e por vezes, em determinados espaços, fazem lixeiras a céu aberto. O estacionamento na minha rua é uma vergonha.”
Segurança, ruído e fiscalização são outras áreas que preocupam. “Já enviei mais de 50 emails para a CML por causa do ruído no Miradouro.” “Trotinetas em descontrolo (estacionadas sem regra e usadas maioritariamente para diversão, muitas vezes perigosa). Motorizadas a andar frequentemente nos passeios e estacionadas quase sempre nos passeios. Carros e motas modificados com motores ruidosos e com rateres. Policiamento de proximidade praticamente inexistente e sem qualquer efeito dissuasor nos crescentes comportamentos sem qualquer civismo.” A crítica à falta de fiscalização é dura: “Aprovam-se leis e regulamentos, regulamentam-se as penalizações, mas se não há efetiva fiscalização para que servem? O ruído e a circulação de bicicletas e trotinetas são alguns dos (maus) exemplos disto.” Outros descrevem uma cidade cada vez mais hostil: “Os lisboetas têm vindo a perder qualidade de vida. Cidade muito suja, sem espaços verdes e o comércio local não serve os gostos da população e não é quase todo negócios de fachada. Os portugueses não beneficiam do aumento do turismo. Casas muito caras e sobrelotadas. Falta de segurança e policiamento. Roubos e sem-abrigo a viver na rua. Muitas pessoas ilegais a viver na freguesia. Tem-se feito muita coisa, com prioridade para a habitação.” A insegurança também é sentida de forma pessoal: “Muito insatisfeita com o aumento de sem-abrigo na freguesia. Insalubridade, insegurança etc. Deixei de ir ao super perto de casa. Tenho que ir a outro de carro! O meu carro assaltado, puxadores da porta roubados, etc.” As exigências vão para além do imediato: “A cidade necessita de muita atenção na higiene, na contenção de animais (pombos e afins), na desinfestação de ratos, baratas e outros bichos nojentos e perigosos, de um procedimento de reciclagem que preserve o ambiente, de comunicação aos munícipes, de fiscalização e aplicação de coimas, para exemplo e cumprimento da lei. A segurança é também um fator essencial e a proibição de beber nas ruas (depois fazem chichi e fezes) devia ser outro imperativo. A cidade é de todos e os cidadãos merecem descanso e respeito! Alguém das juntas tem o dever de controlar as empresas a quem são adjudicados os serviços. Ninguém cumpre nada. Só buracos, lixo e muito mais!”
O turismo e a transformação da cidade também não passam despercebidos: “Lisboa não é uma cidade que acolha os seus residentes e os seus frequentadores. Foi-nos sonegada e entregue de forma selvagem ao turismo. Os preços da habitação e mesmo da vivência da cidade não estão equilibrados com o nível de vida das ‘pessoas normais’.” Outros associam a degradação à falta de cultura útil para os residentes: “Não me desloco de bicicleta. (…) Está gentrificada. Sem cultura ou de má qualidade. A degradação da qualidade de vida na freguesia e na cidade é visível, em contraste com a propaganda e o dinheiro gasto em investimentos que nada trazem à cidade ou à freguesia (vide grandes espetáculos musicais, contas nunca divulgadas da Semana da Juventude).” E há quem se revolte com a descaracterização comercial: “A cidade perdeu identidade e a freguesia está a fazer o mesmo ao permitir a abertura de lojas descaracterizadas, lojas de souvenirs, de produtos de imitação.”
Nem tudo é negativo. Há elogios à vida de bairro e ao trabalho local: “o bairro está sempre em obras, o que para nós significa avanço, tem bons vizinhos, boa limpeza, adoramos tudo. Obrigado pelo vosso trabalho.” Também se destaca que “excelente atuação da junta de freguesia" a par de "Insuficiente atuação da Câmara Municipal de Lisboa.” Há ainda preocupações específicas: “Considero que esta freguesia devia ter mais consideração pelos residentes de avançada idade, tanto nos transportes como nos passeios. Assim como devia ter locais amplos com variadas atividades para os mais velhos.” Nem todas as freguesias são vistas da mesma forma: “completamente estagnada.” Já noutras, houve reconhecimento: “Muito satisfeita com as alternativas que foram implementadas na freguesia por altura da greve da higiene urbana nos dias das festividades do Natal. Previam-se dias difíceis e, com o esforço das entidades da freguesia e de alguns habitantes, conseguiram minimizar o desconforto.” Mas noutras freguesias, o retrato volta a ser sombrio: “cada vez mais suja! Insegurança crescente! Presença policial inexistente!”
No fundo, estas respostas mostram uma cidade onde muitos lisboetas sentem que a qualidade de vida “tem vindo a degradar nos últimos anos”, que “Lisboa encontra-se no momento insustentável para viver” e que “Lisboa está um caos.” As próximas eleições autárquicas terão inevitavelmente de dar resposta a estas vozes: não apenas com promessas de grandes eventos, mas sobretudo com soluções básicas — ruas limpas, menos ruído, transportes públicos eficazes, segurança no espaço público e uma cidade que volte a ser habitável para quem cá vive.
Quanto aos resultados do Barómetro, serão analisados e publicados, freguesia a freguesia e métrica a métrica a métrica em outubro quando deixarmos de receber respostas de moradores.