Enviada a 2025.11.19 Exmos. Senhores,
Solicita-se à Polícia Municipal de Lisboa um reforço sistemático da fiscalização na Feira da Ladra, incidindo sobre a origem e legitimidade dos artigos colocados à venda, nomeadamente objetos que, pela sua natureza, podem integrar o património municipal ou o domínio público, como placas de número de polícia, azulejos aplicados em edifícios, letreiros, peças metálicas e outros elementos de mobiliário urbano.
Nas últimas edições da feira têm surgido bancas onde se vendem artigos sem qualquer prova de proveniência. Tal prática favorece a circulação de bens furtados e a comercialização ilícita de património urbano, contrariando o artigo 231.º do Código Penal (receptação), a Lei n.º 107/2001 (património cultural) e o Regulamento Municipal de Venda Ambulante, que proíbe a venda de mercadorias cuja origem não possa ser demonstrada.
A fiscalização deve incidir sobre a obrigação legal do vendedor de provar que os bens são legítimos. Na ausência de prova, a apreensão é juridicamente exigida.
Face ao exposto, solicita-se:
- Que a Polícia Municipal realize fiscalização aleatória, mas regular, em todas as edições da Feira da Ladra, verificando a origem dos bens expostos.
- Que, sempre que os vendedores não apresentem prova de propriedade, sejam apreendidos os artigos suspeitos e lavrado o respetivo auto.
- Que estas operações incluam a colaboração operacional da Polícia de Segurança Pública, dada a competência criminal desta força e a relevância de investigação de eventuais crimes de furto ou receptação.
- Que a CML passe a exigir, como condição de ocupação de cada talhão, a assinatura de uma declaração de responsabilidade, na qual o vendedor afirma que os artigos colocados à venda não são furtados, roubados, indevidamente removidos do património municipal, nem adquiridos sem prova de legitimidade.
Ao abrigo do artigo 86.º do Código do Procedimento Administrativo, solicita-se resposta escrita obrigatória, indicando as medidas que serão implementadas e o enquadramento operativo previsto para estas ações de fiscalização conjunta.
Resposta da Polícia Municipal ao email da Vizinhos em Lisboa abaixo apresentado:
Exmos. (as) Senhores (as)
Encarrega-me o Exmo. Senhor Chefe da Área Operacional da Polícia Municipal de Lisboa, Intendente Rui Costa Fonte, de informar Vossa Exa. que recebemos a V/ comunicação, que mereceu a nossa melhor atenção.
A Feira da Ladra, como todas as principais feiras da cidade de Lisboa, particularmente o Relógio e as Galinheiras, dispõe de policiamento dedicado por parte desta Polícia Municipal.
Os nossos polícias estão, naturalmente, atentos às situações que mencionam. No entanto, não obstante a Polícia Municipal não deter competências de investigação criminal, permitam-nos esclarecer que, para o crime de recetação, tal como para a generalidade dos crimes tipificados no ordenamento jurídico português, não há inversão do ónus da prova. Isto é, não cabe ao suspeito provar que não está a cometer ou que não cometeu qualquer crime. Essa responsabilidade é de quem acusa. Portanto, para imputar a alguém a prática do crime de recetação, é necessário provar que, efetivamente, o bem tem proveniência ilícita.
Sem prejuízo do exposto, naquilo que são as atribuições desta Polícia Municipal, estamos atentos. E porque algumas situações requerem a intervenção da Polícia de Segurança Pública, também lhe encaminharemos esta V/ comunicação.
Com os melhores cumprimentos,
Isabel Sá Agente Principal
Câmara Municipal de Lisboa
Resposta dos Vizinhos em Lisboa à Polícia Municipal a 21.11.2025
Exmos. Senhores,
Agradecemos a resposta enviada pela Polícia Municipal de Lisboa, bem como a atenção dedicada ao nosso pedido. Tomámos nota do esclarecimento relativo à inexistência de inversão do ónus da prova no âmbito do crime de receptação, conforme previsto no artigo 231.º do Código Penal. Essa interpretação é naturalmente correta em sede de processo criminal.
Contudo, importa distinguir - como aliás decorre do próprio enquadramento legal das atividades de venda ambulante e feiras municipais - entre prova bastante para efeitos de imputação criminal e prova suficiente para efeitos de fiscalização administrativa. A Polícia Municipal, enquanto autoridade administrativa com competência regulatória e inspetiva, não necessita de demonstrar o cometimento de um crime para agir; basta a verificação objetiva de incumprimento das regras aplicáveis à venda ambulante e à ocupação dos talhões municipais.
O Regulamento Municipal de Venda Ambulante de Lisboa é claro quanto à obrigatoriedade de o vendedor demonstrar a legitimidade dos bens comercializados. O incumprimento desta obrigação constitui fundamento suficiente para apreensão administrativa e levantamento de auto, independentemente da configuração do crime de receptação. Acresce que a Lei n.º 107/2001, que estabelece bases da política e do regime de proteção e valorização do património cultural, impõe ao município o dever de proteção de bens culturais públicos, entre os quais se incluem placas de polícia, azulejaria aplicada e elementos de mobiliário urbano removidos ilicitamente.
Assim, a nossa preocupação - expressa de forma reiterada por inúmeros moradores - reside no facto de continuarem a ser vendidos na Feira da Ladra bens cuja origem não é demonstrada e que, pela sua natureza, correspondem a objetos retirados do espaço público. A verificação visual e documental da proveniência é parte integrante da atividade de fiscalização municipal, independentemente de a prova ser ou não suficiente para configurar um crime.
Registamos igualmente a informação de que a presente comunicação será remetida à Polícia de Segurança Pública, cuja competência criminal é necessária sempre que haja indícios de furto ou receptação.
Reiteramos, por isso, os pedidos formulados:
- Fiscalização regular e não meramente ocasional, incluindo pedidos de prova documental de propriedade ou aquisição.
- Apreensão administrativa dos artigos cuja proveniência não seja comprovada, nos termos do regulamento municipal aplicável.
- Articulação operacional com a PSP nas situações em que a natureza dos bens apreendidos o justifique.
- Introdução de uma declaração de responsabilidade obrigatória para todos os ocupantes de talhões.
Ao abrigo do artigo 86.º do Código do Procedimento Administrativo, solicitamos que a Polícia Municipal e a Câmara Municipal de Lisboa informem quais destas medidas serão implementadas, com que periodicidade e com que modelo operativo.
Renovamos os nossos cumprimentos e agradecemos a atenção prestada.
Os Vizinhos em Lisboa
Associação de Moradores